Realização: Jessica Hausner
Intérpretes: Christian Friedel, Birte Schnoeink, Stephan Grossmann
Áustria/ALE/LUX, 2014, 95 ‘ M/12
Berlim, 1811. Pouco depois de completar 34 anos, o poeta e escritor Heinrich von Kleist (Christian Friedel) enfrenta sérias dificuldades financeiras. Profundamente triste e amargurado, planeia pôr fim à própria vida e fazer da sua morte um momento de elevação e entrega ao amor eterno. Com isso em mente, convence Henriette Vogel (Birte Schnoeink), a esposa de um empresário seu conhecido, a juntar-se a ele naquele momento solene. Henrich leva o seu plano até ao fim e, no dia 21 de Novembro desse mesmo ano, junto às margens de um lago, dá um tiro em Henriette e depois em si próprio…
Com assinatura da realizadora austríaca Jessica Hausner (“Lovely Rita”, “Lourdes”), um filme sobre as ambivalências do amor, livremente inspirado na verdadeira história do poeta e escritor alemão Heinrich von Kleist (1777-1811). Apresentado na secção “Un Certain Regard” do Festival de Cinema de Cannes, “Amor Louco” venceu o Prémio de Melhor Filme no Lisbon & Estoril Film Festival. PÚBLICO
Cinema da razão e da emoção
A relação trágica de Heinrich von Kleist e Henriette Vogel volta a interessar o cinema: “Amor Louco”, da realizadora austríaca Jessica Hausner, é uma viagem fascinante pelos enigmas do amor e da morte.
Como é sabido pelos registos históricos, a relação entre o escritor romântico Heinrich von Kleist (Christian Friedel) e Henriette Vogel (Birte Schnöink) está marcada por uma violenta pulsão de morte — para von Kleist, o consumar do amor só podia conduzir a uma aceitação extrema, afinal serena, do fim da existência neste mundo. Ou ainda: esta é uma história indissociável da dramática transição do séc. XVIII para o séc. XIX, num universo de pensamento em que os tradicionais equilíbrios entre razão e emoção surgem profundamente transfigurados.
Até certo ponto, o filme da austríaca Jessica Hausner, “Amor Louco”, pode definir-se como um objecto biográfico — trata-se, afinal, de encenar a aproximação de von Kleist e Vogel, pressentindo o seu trágico desenlace. Em todo o caso, nada permite confundi-lo com muitos retratos deterministas que, obedecendo a formatações de raiz televisiva, apresentam a vida artística (?) como uma ilustração mecânica de “temas” ou “tendências”.
Nem se trata, entenda-se, de fazer uma “reconstituição” histórica (aliás, a própria designação omite o facto de qualquer narrativa ser um elemento novo e singular, não uma “repetição” do que quer que seja).
Hausner filma, afinal, tudo aquilo, material ou imaterial, que aproxima e afasta o par de protagonistas — e tudo passa pelo poder imenso da palavra, neste caso associado ao encantamento da música que Vogel interpreta.
Daí a estranha e fascinante transparência de um filme como “Amor Louco”: por um lado, deparamos com um mundo em que todos os equilíbrios — entre senhores e criados, arte e sociedade, vida e morte — parecem estar previstos, racionalizados e controlados; por outro lado, von Kleist e Vogel vivem uma odisseia que, em última instância, desafia todas as suas relações (privadas e públicas). É o mais discreto dos filmes, inclusive na sua beleza radical.
João Lopes, in CineMax