
Fic | Fran | 2021 | M/16 | 105’
Realização: Jacques Audiard
Interpretação: Noémie Merlant , Makita Samba , Lucie Zhang
“Paris 13”, o mais recente filme de Jacques Audiard (“Ferrugem e Osso, “De Tanto Bater O Meu Coração Parou”) é um daqueles filmes que tem como protagonista um bairro, uma cidade dentro da cidade que é Paris. Les Olympiades, como assim são conhecidas, são umas torres residênciais situadas na 13ª arrondissement da cidade, desenhadas pelo arquiteto Michel Holley. Construídas na década de 1970 com o propósito de atrair jovens profissionais, nestas Olympiades tudo é espetáculo, e o olho cinematográfico de Audiard encontra nelas um sintoma do nosso próprio tempo: grande cinema este, um choque frontal entre o urbanismo fanático da organização dos Homens no espaço, e a fisicalidade táctil dos ecrãs de telemóvel, essas praças virtuais a que dedicamos a nossa atenção – mas também o nosso corpo.
O flime de Audiard, que na verdade vai beber inspiração a “Les Intrus”, uma banda desenhada com autoria de Adrian Tomine publicada em 2015, fala sobre a experiência de viver numa metrópole no século XXI. Nesta adaptação para o grande ecrã, o realizador contou também com a colaboração de argumentistas de luxo: Céline Sciamma (a realizadora de “Retratro de uma Rapariga em Chamas” e do mais recente “Petite Maman”) e Léa Mysius (realizadora de “Ava”, mas também uma colaboradora regular de Arnaud Desplechin, para quem já escreveu um par de filmes). Um trabalho polifónico sobre uma cidade hiper polifónica, “Paris 13” é focado na história de três protagonistas.
Émilie (Lucie Zhang), uma jovem com descendência taiwanesa que vive sozinha num apartamento da avó de quem está encarregue de cuidar; Camille (Makita Samba), um professor de secundário prestes a abandonar o seu emprego para se poder dedicar à sua tese de doutoramento, e que se torna inquilino de Émilie; e Nora (Noémie Merlant), uma jovem mulher que decide regressar à grande cidade para se afastar de um relacionamento abusivo na sua cidade natal, e que aproveita a situação para continuar os estudos na universidade. No filme de Audiard, filmado num preto e branco que é todo um statment, a ação narrativa inclina-se frequentemente para uma pose que apetece dizer metafórica, como se os personagens fossem peões de um Xadrez jogado fora de campo, um jogo do qual nunca parecem ter sequer verdadeira noção.
É aqui que reside a maior qualidade do flime, na forma como Audiard vai ao encontro do moderno a partir do fascínio pela abstração, num tom suficientemente ambíguo para que se possa afirmar com certeza se celebra ou se aponta o dedo a este nosso mundo, um mundo que promete a utopia da comunidade, mas que teima em fazer dos Homens ilhas. Ninguém dúvida que o trio de protagonistas possa realmente existir (claro que existem), mas por outro fica sempre a impressão que os contornos biográficos que os torna nas pessoas que são pouco importam. Mas isso não impede que haja aqui um convite ao reconhecimento: na maneira como Émilie desgasta a alma num call center, por exemplo; ou na maneira como todos procuram encontrar no sexo uma espécie de elixir da juventude, um “escape” capaz de os tornar imunes às arestas mais cortantes do mundo (ao amor, a precaridade do trabalho, às relações familiares complexas…).
De uma forma muito geral, e pela forma como cruza o destino dos protagonistas, dir-se-ia que o filme de Audiard está mais interessado numa antropologia das relações na grande cidade, que propriamente na exploração da psicologia humana na era da internet. E é por aí, por esse discurso que paira sobre o filme que tem como pretexto a internet, que o preto e branco da fotografia mais fascina. É um contraste irónico (até mesmo pela tonalidade “feia” dos cinzentos em particular), como se cinema pudesse afinal desacelerar essa vertigem da presença imediata e constante do ciberespaço, esse super 24/7 hardcore dos corpos belos responsável pelo sismo narrativo do edífcio do filme, e que coloca a história em movimento quando Nora é confundida por uma cam girl (Jehnny Beth, a vocalista dos Savages, aqui numa primeira aparição cinematográfica).
Feitas as contas, é um belo regresso de Audiard.
Escrito para C7nema.net.