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7 de Dezembro, 19h: “Artemisia – Pintora Guerreira”

Realizador: Jordan River

Documentário

ITA, 2020, 60′ M/12

O documentário de Jordan River, Artemisia – Pintora Guerreira, propõe-se mostrar que a artista italiana, hoje considerada uma das grandes pintoras da arte barroca, foi muito mais do que uma vítima.

Uma viagem através da vida de uma brilhante pintora, Artemisia Gentileschi, herdeira de Caravaggio e cuja vida foi infelizmente marcada pela violação que sofreu às mãos do pintor Agostino Tassi, aos 18 anos.

O realizador Jordan River representa a artista como nome maior da Pintura Barroca, e ícone feminista, afastando-se dos rótulos de vítima e evidenciando a grande mestria da pintora e a sua importância na história da arte. 

Artemisia Gentileschi, o génio esquecido da pintura barroca
Está representada em museus como o Prado, a National Gallery ou os Uffizi, mas, ainda hoje, Artemisia Gentileschi é mais conhecida pela violação de que foi vítima na juventude, do que pela qualidade da sua obra. O documentário de Jordan River, Artemisia – pintora guerreira, propõe-se mostrar que a artista italiana foi muito mais do que uma vítima.

“O nome de uma mulher levanta dúvidas até que o seu trabalho fale por si”, escreveu, em meados do século XVII, Artemisia Gentileschi, quando, ao serviço dos grandes mecenas da Europa de então, já pintara alguns dos seus quadros mais impressionantes. Contemporânea de Caravaggio (com quem os historiadores de arte a equiparam frequentemente, quer pela escolha dos temas, quer pela proximidade das técnicas), trabalhou às ordens do Grão-Duque da Toscânia, dos reis Filipe IV de Espanha e Carlos I de Inglaterra, mas a posterioridade conhece-a mais pela violação de que foi vítima aos 18 anos, e pelo processo judicial que se seguiu ao crime, do que pela importância da sua obra pictórica.

Essa é a premissa do documentário Artemisia Gentileschi – Pintora Guerreira, dirigido por Jordan River: representar a artista como nome maior da Pintura Barroca, e ícone feminista, afastando-se dos rótulos de “vítima” e “pintora violada” a partir dos quais a sua pintura tende a ser lida em filmes, ensaios e até em exposições, como a que ocorreu em Milão, em 2012, onde uma cama revolta, colocada à entrada, precedia a mostra dos quadros. 

A mulher para que confluem todos estes olhares nasceu em Roma a 8 de julho de 1593, filha do pintor Orazio Gentileschi, que não só a iniciou na sua arte, como constatando que a jovem era muito mais dotada do que os irmãos, a levou a frequentar os círculos de outros pintores e marchands tanto em Itália, como fora dela. Mas esse era ainda um mundo exclusivamente masculino, demasiado perigoso para uma mulher.  Muito jovem, Artemisia foi violada pelo pintor Agostino Tassi, com quem Orazio trabalhava na decoração dos cofres do Casino delle Muse, no Palazzo Pallavicini-Rospigliosi, em Roma. Numa época em que a perda da virgindade fora do casamento significava a ruína para a mulher e para a família, a jovem continuou a relacionar-se com Tassi, na esperança, segundo a própria relatou aos juízes, de que um casamento com ele viesse a restaurar a sua reputação diante da sociedade, mas tal nunca aconteceu. Nove meses após a violação, quando soube que Tassi não tinha qualquer intenção de casar com Artemisia, Orazio apresentou queixa contra o agressor. O que se seguiu foi um longo processo judicial em que a devassa da intimidade, sobretudo a da jovem sujeita a um exame ginecológico e até a um interrogatório sob tortura, foi uma constante. No final, Tassi foi condenado à pena de prisão de um ano, mas nunca a cumpriria, pois o caso foi revisto e a sentença anulada.

Sem dúvida marcante, esta provação não pode, ao contrário do que tem acontecido com demasiada frequência, ser a única chave para ler a expressividade e a força que irradiam da obra de Artemisia, uma vez que já as encontramos na que é considerada a sua primeira grande obra, Susana e os Anciãos, anterior ao trágico encontro com Tassi. Tal como Caravaggio, com quem parece ter contactado na juventude, Artemisia evidencia grande mestria na escolha das cores, no tratamento de luzes e sombras e no recurso a modelos vivos de homens e mulheres, o que lhe permite ser mais intensa e realista na representação dos corpos. Numa época em que os mecenas, fossem religiosos ou não, tinham grande apetência pela representação de temas bíblicos, ela pintou vários episódios e personagens retirados das Escrituras, Cristo e a Samaritana no Poço; Lot e as Suas Filhas; Cristo Abençoando as Crianças ou Madalena Penitente, mas é sobretudo diante de cenas mais violentas como as representadas em Salomé com a Cabeça de São João Baptista ou Judite decapitando Holofernes que muitos críticos mostram a sua perturbação. Que só algo de terrível poderia justificar que ela representasse, com tamanha expressividade, a cena em que um homem é brutalmente executado por um grupo de mulheres, sugere-se. O que é feito dos temas delicados, como crianças e flores, tidos como preferidos pelas artistas do sexo feminino? Como se não bastasse para desinquietar os espíritos, Artemisia também não hesitou na sensualidade e realismo com que pintou o corpo feminino em obras como Cleópatra ou Maria Madalena.

O que o documentário de Jordan River agora nos vem mostrar é que esta ousadia de temas e formas é coerente com a vida de uma mulher que jamais se submeteu ao estatuto de vítima, como, aliás, demonstram os auto-retratos que dela conhecemos. Apesar dos piores receios do pai, Artemisia casaria com um artista de Florença, Pierantonio di Vincenzo Stiattesi de seu nome, e juntos tiveram 5 filhos, ao mesmo tempo que bem conceituada nos meios artísticos, se tornaria a primeira mulher aceite na Academia de Artes do Desenho de Florença, em 1616, com apenas 23 anos. Estes são os anos em que circula entre os grandes centros da arte em Itália (Florença, Roma, Veneza, Nápoles), ampliando um círculo de amizades que chegou a incluir Galileu Galilei. Aos 34 anos, em 1627, pinta a que será uma das suas obras mais importantes, Aurora, um autorretrato de grandes dimensões em que uma figura feminina seminua, lírica e teatral, chama a si a tarefa de despertar o mundo do seu noturno torpor. Em 1638, acede a deslocar-se a Londres a convite do rei Carlos I. Ali pinta David e Golias, um quadro incorretamente atribuído a um dos discípulos do seu pai (Giovanni Guerrieri) até 2020, quando o restauro da obra revelou finalmente a assinatura da pintora.

O esquecimento que, sobre ela, recaiu seria, pois, posterior à sua morte, cuja data precisa é desconhecida, embora se considere que terá ocorrido em Nápoles por volta de 1653. O interesse contemporâneo pela vida e obra de Artemisia Gentileschi foi desencadeado na década de 1970, quando a historiadora de arte feminista Linda Nochlin publicou um artigo intitulado “Why Have There Been No Great Women Artists?” (Por que não houve grandes artistas mulheres?) em que, pela primeira vez, a sua obra foi equiparada a outros grandes nomes do Barroco italiano. O artigo explorou a definição de “grandes artistas” e estabeleceu que foram instituições opressivas, e não a falta de talento ou de trabalho, a impedir as mulheres de atingir o mesmo nível de reconhecimento que os homens receberam na arte e em outros ramos de atividade.

Depois de, em 1997, Agnès Morel, ter realizado um filme em torno do processo que opôs Gentileschi a Tassi, Jordan River propôs-se retratar, como afirmou durante o Los Angeles Film Festival, “não uma vítima nem uma mulher indestrutível, mas alguém determinado a defender e desenvolver o seu talento. Artemisia – pintora guerreira chega agora ao cinema recomendada por vários prémios internacionais, como o de melhor fotografia do Festival de Cinema de Los Angeles ou de Melhor Documentário do Tierra di Siena Film Festival.

Maria João Martins, in Máxima

30 de Novembro, 19h: “Malizia”

Realizador: Salvatore Samperi

Intérpretes: Laura Antonelli (Angela), Turi Ferro (Ignazio), Alessandro Momo (Nino), Tina Aumont (Luciana), Lilla Brignone (avó), Pino Caruso (Don Cirillo), Angela Luce (Ines Corallo), Stefano Amato (Porcello), Gianluigi Chirizzi (Nuccio), Grazia di Marzá (Adelina), etc.

ITA, 1973, 97′ M/14

Os anos 1970 foram os anos do grande sucesso de uma declinação – ou uma mutação – da “commedia all’italiana”, que os italianos chamam a “commedia sexy”. Haverá sociologia bastante, e certamente incluindo o crescente peso da televisão, para explicar esta irrupção do erotismo explícito no panorama da produção corrente italiana, a que nem escaparam muitos dos mestres vindos dos anos 50 e 60, como Luigi Comencini ou Alberto Lattuada, que ao longo desta década também vieram dar um passinho a esta dança (Dio, come Sono Caduta in Basso, para Comencini, Le Faró da Padre, para Lattuada, para ficar com dois exemplos vistos nestas salas há não muitos anos). Outro filme que a Cinemateca já exibiu, Il Commune Senso di Pudore, uma das experiências de Alberto Sordi como realizador, abordava o fenómeno com bastante graça e algum lamento, como um ajuste de contas com o que restava da vertente “popular” do cinema italiano nos anos 70, mas também com as suas proezas mais “intelectuais” (caso, sobretudo, de L’Ultimo Tango a Parigi, que Bertolucci estreara no ano anterior ao do filme que vamos ver, Malizia, de Salvatore Samperi).

Samperi (1944-2009) não é hoje um realizador muito considerado, e na verdade Malizia, que dirigiu com 29 anos, foi o seu momento de maior sucesso, no mesmo passo em que impôs Laura Antonelli como uma das “divas” da “commedia sexy”. Tão “vertical” foi este momento na carreira de Samperi que, vinte anos depois, à entrada dos anos 90, o tentou replicar explicitamente com uma sequela, Malizia 2mila (assim mesmo, com algarismo), onde voltava a contar com Laura Antonelli. Rezam as crónicas que o insucesso dessa sequela foi tão grande, e o filme tão ridicularizado pelos críticos italianos, que Samperi pôs fim à sua carreira de realizador de cinema, passando o resto da sua vida a trabalhar apenas para televisão.

Para perceber que este tipo de filmes está profundamente ligado a uma época, sobretudo nos países da Europa católica do sul há muitos anos sexualmente reprimidos, de forma oficial ou oficiosa, por uma moral, e para citar o título de Sordi de que falámos acima, assente num “sentido comum do pudor” que entretanto, e por várias razões, se estilhaçou, não é preciso mais do que uma sociologia “instintiva”. Já agora, vale a pena notar que Malizia se estreou em Portugal em Maio de 1974, um dos muitos títulos que não passariam na censura até um mês antes e que, mal foi possível, começaram, como uma cascata, a desabar sobre as salas de cinema portuguesas. Hoje, é difícil perceber se Samperi e os seus argumentistas levam a sério ou não o que o filme sugere enquanto exame crítico e sarcástico dos tradicionalismos da sociedade italiana (mais precisamente, siciliana), os lugares de homens e mulheres e as relações entre eles no matrimónio ou para além dele, a clivagem das sensibilidades inter-geracionais, etc. É verdade que isso, e com alguma boa vontade pode-se encontrar até uma “intenção”, está no filme, mas é duvidoso que alguém fosse ver Malizia à procura de tal crítica, por mais sarcástica do que ela fosse. A razão de ser, o sal e a pimenta do filme de Samperi, está no erotismo, um erotismo que, embora possa lembrar Buñuel nalgumas cenas (o do Journal d’une Femme de Chambre, por exemplo), é demasiado exposto, demasiado básico, para conter a mais pequena gota de buñuelianismo. A diferença, já agora que fomos por aí, é que o voyeurismo, em Buñuel, virava-se sempre contra o espectador, e contra os seus próprios desejos e tentações. No filme de Samperi, tudo vive em paz e harmonia: há uma sincronia total entre o olhar das personagens do filme (os rapazes obcecados com a criada futura madrasta) e o olhar que o filme pressupõe ser o do espectador. Os rapazes querem ver Laura Antonelli nua, e o espectador, no fundo, também. E portanto, se o filme gere essa expectativa com alguma graça (mas sem ser alguma vez, e voltamos a Buñuel, um ensaio sobre a frustração), nunca se duvida, em momento algum da duração de Malizia, que tanta espera e tanta frustração vão ser recompensadas. Dito e feito, o “prémio” à paciência do espectador chega, com uma cena de sexo explícita (singularmente desajeitada e incomodativa, sem que isso seja forçosamente intencional) e a plena nudez de Antonelli, em frente a uma câmara que a segue pelas várias divisões da casa.

Luís Miguel Oliveira (Cinemateca Portuguesa)

25 de Novembro, 19h: “Mio Fratello Rincorre I Dinosauri – O Meu Irmão Persegue Dinossauros”

Realizador: Stefano Cipani 

Intérpretes: Alessandro Gassmann, Rossy di Palma, Isabella Ragonese, Francesco Gheghi, Lorenzo Sisto

Itália , 2019, 98′ M/12

Uma comovente história de amor e crescimento, baseada no romance autobiográfico de Giacomo Mazzariol, que preserva a frescura e a ironia do texto original através de uma linguagem cinematográfica influenciada pelo melhor cinema indie americano.

Jack é um rapaz italiano que vive com os seus pais Davide (Alessandro Gassmann) e Katia (Isabella Ragonese) e as suas irmãs Chiara e Alice. Um dia recebe a notícia de que em breve terá um irmão, cujo nome será Gio. No nascimento do seu irmão mais novo, Jack e a sua família descobrem que Gio tem Síndrome de Down. Inicialmente, Jack está feliz, porque acredita que o seu irmão é uma espécie de super-herói, mas com o tempo entenderá que os seus pais o deixaram acreditar em algo muito diferente do real. Stefano Cipani, um jovem realizador de 35 anos, estreia-se nas longas-metragens com um filme encantador e presenteia-nos com um elenco incrível, incluindo Rossy De Palma, uma das atrizes favoritas de Pedro Almodóvar.  Um conto terno sobre as dores de crescimento da adolescência.

 

Festa do Cinema Italiano

A programação será a seguinte:

– 23/11 – Era Uma Vez a Máfia de Franco Maresco M/14

– 24/11 – Contos de um Verão Negro – Favolacce de Damiano D’Innocenzo, Fabio D’Innocenzo M/14

– 25/11 – Mio Fratello Rincorre I Dinosauri – O Meu Irmão Persegue Dinossauros de Stefano Cipani  M/12

– 30/11 – Malizia, de   M/14

– 07/12 – Artemisia Gentileschi (Ciclo a Grande Arte no Cinema), de Jordan River  M/6

PROGRAMA DA FESTA DO CINEMA ITALIANO
23 Novembro 24 Novembro 25 Novembro 30 Novembro 7 Dezembro
TERÇA QUARTA QUINTA TERÇA TERÇA
Cine-Teatro Paraíso Cine-Teatro Paraíso Cine-Teatro Paraíso Cine-Teatro Paraíso Cine-Teatro Paraíso
19h00

ERA UMA VEZ A MÁFIA


(LA MAFIA NON È PIÙ QUELLA DI UNA VOLTA)
Franco Maresco, 115′

19h00

CONTOS DE UM VERÃO NEGRO

(FAVOLACCE)
Irmãos D’Innocenzo, 98′

19h00

MIO FRATELLO RINCORRE I DINOSAURI
Stefano Cipani, 100′

19h00

MALIZIA
Salvatore Samperi, 98′

19h00

CICLO A GRANDE ARTE NO CINEMA:

ARTEMISIA GENTILESCHI
Jordan River, 60′

Festa do Cinema Italiano – Programação

À semelhança dos dois últimos dois anos, o Cineclube de Tomar apresenta na próxima semana uma extensão da Festa do Cinema Italiano, com filmes inéditos em Portugal, e que provavelmente não terão distribuição comercial no nosso país.

A programação será a seguinte:

15/05Fortunata, de Sergio Castellitto (ITA, 2017, 103′) – 19h

Fortunata (Jasmine Trinca) é uma mãe adolescente vivendo numa situação extremamente complicada e assombrada por um casamento fracassado. Como forma de mudar de vida, precisa lutar diariamente por seu sonho: abrir um salão de cabeleireiro desafiando seu próprio destino, numa tentativa de emancipar-se e adquirir sua independência e o direito à felicidade.

16/05Botticelli – Inferno, documentário de Ralph Loop (ITA/ALE, 2016, 86′)      http://www.botticelli-inferno.de/19h

17/05In Guerra per Amore, de Pif (ITA, 2016, 99′)  – 19h http://bogiecinema.blogspot.pt/2017/04/resenha-critica-in-guerra-per-amore-2016.html

19/05Pipi, Pupù Rosmarina e il Mistero delle Note Rapite, de Enzo D’Alò (ITA/FRA, 2017, 81′)  – filme de animação para crianças – 15.30h

Gatta Cenerentola, de Ivan Cappiello | Marino Guarnieri | Alessandro Rak | Dario Sansone (ITA, 2017, 86′) – filme de animação para maiores de 12 anos – 21.30h

https://bogiecinema.blogspot.pt/2018/04/critica-gatta-cenerentola-2017.html