Category Archives: Sessões Cineclubistas

28 de Dezembro, 19h: “Fabian”

Realizador: Dominik Graf

Intérpretes: Tom Schilling, Albrecht Schuch, Saskia Rosendahl, Meret Becker, Eva Medusa Gühne, Elmar Gutmann, Petra Kalkutschke, Michael Wittenborn, Lena Baader, Catalina Navarro Kirner, Brian Völkner, Sascha Maaz, Caroline Adam Bay

Berlim, 1931. Durante o dia, Jakob Fabian trabalha no departamento de marketing de uma fábrica de cigarros, à noite vagueia por bares, bordéis e estúdios de artistas com o seu próspero amigo Labude. Quando conhece a confiante Cornelia, consegue abandonar, por momentos, a sua atitude pessimista. Apaixona-se. Contudo, também se torna vítima de uma série de despedimentos enquanto Cornelia constrói a sua carreira como atriz. Mas não é apenas o mundo de Fabian que está prestes a desmoronar…

ALE, 2021, 176′ M/16

 

Reencontrando o melhor cinema alemão
Sem protecção promocional, lançado em pouquíssimas salas, “Fabian”, de Dominik Graf, é um belo acontecimento cinematográfico — para não nos esquecermos da importância da produção alemã.

É verdade: importa não esquecermos a Alemanha como peça vital da história do cinema europeu — passado e contemporâneo. E tanto mais quanto não é possível omitir uma verdade rudimentar que, infelizmente, muitos agentes do mercado cinematográfico ignoram e não querem enfrentar. Que é como quem diz: algumas das maiores preciosidades do momento surgem “escondidas” em pouquíssimas salas, sem o mínimo de promoção…

Acontece agora com o filme alemão “Fabian”, de Dominik Graf, adaptando o romance homónimo de Erich Kästner, centrado num jovem que, em Berlim, por volta de 1930, trabalha em publicidade e se vê envolvido numa teia de personagens, ameaças e medos que prenunciam a chegada do nazismo — o resultado é um filme de incrível vibração emocional, uma exemplar evocação histórica e também um estudo subtil sobre a condição humana. 

Fabian é um candidato a escritor que vive e sobrevive nas rotinas do seu trabalho no sector de publicidade de uma marca de tabaco. Quando conhece Cornelia, jovem aspirante a actriz cinematográfica, o amor que nasce parece poder resistir a todas as convulsões do momento — vivem-se os derradeiros anos da República de Weimar e os nazis vão-se afirmando, de modo brutal e inquietante, no quotidiano da cidade.

Evitando esquematismos “simbólicos”, a realização de Graf consegue a proeza de de nos devolver a complexidade emocional de uma época perturbante, sem nunca simplificar as relações entre Fabian e Cornelia. E tanto mais quanto são interpretados, respectivamente, pelos brilhantes Tom Schilling e Saskia Rosendahl — vimo-los em “Nunca Deixes de Olhar” (2018), de Florian Henckel von Donnersmarck; ela protagonizou “Lore” (2012), de Cate Shortland, prodigioso filme sobre os tempos finais da Segunda Guerra Mundial vistos a partir da experiência dos filhos de um oficial nazi. (Passou no Cineclube de Tomar em Setembro/2013)

Crítica de João Lopes

21 de Dezembro, 19h: “Novas Curtas Portuguesas”

DURAÇÃO 72’ · M/12

Todos os anos, entre 21 e 22 de dezembro, o Inverno chega ao hemisfério norte. Este fenómeno astronómico que assinala o dia mais curto do ano inspirou a criação da festa que celebra o cinema no formato curto em todo o mundo.

Pelo nono ano consecutivo, Portugal celebra O Dia Mais Curto com mais de 100 sessões de cinema por todo o país. Nesta edição, que conta com a participação de 30 localidades portuguesas, serão exibidas 37 curtas-metragens, entre os dias 1 e 30 de dezembro.

A Agência da Curta Metragem apresenta este ano 4 programas distintos, para todas as idades e públicos, com filmes portugueses ou internacionais, que serão exibidos de norte a sul do país, no continente e ilhas.

O Cineclube de Tomar alia-se a esta iniciativa apresentando no dia 21 de Dezembro o programa “Novas Curtas Portuguesas” o qual é uma oportunidade para conhecer autores nacionais e as histórias que têm para nos contar. A Sessão será constituída por 3 Curtas-metragens a saber:

THE SHIFT

Laura Carreira · Portugal · Reino Unido

2020 · FIC · 9’

Anna, uma trabalhadora temporária, passeia o cão de manhã antes de ir às compras. Vagueia pela secção de produtos com desconto do supermercado, tentando encontrar os mais acessíveis. À medida que se aproxima da caixa, a agência liga; perdeu o turno. The Shift procura capturar a condição vulnerável de um trabalhador temporário e revelar as consequências imediatas da distância perigosamente curta e sempre presente que separa emprego e pobreza, segurança e tumulto.

O TEU NOME É

Paulo Patrício · Portugal

2021 · ANI · 24’

Um olhar sobre o caso do assassinato de Gisberta Salce Jr., transexual, seropositiva, toxicodependente e sem-abrigo que foi violentamente torturada durante vários dias por um grupo de 14 adolescentes no Porto, em 2006. Com testemunhos de amigas transexuais de Gisberta, assim como entrevistas inéditas a dois dos envolvidos no caso. Abordando conceitos como memória, violência, condição social, discriminação e identidade de género, “O Teu Nome É” confronta dessa forma diferentes perspetivas e dimensões da condição humana.

SORTES

Mónica Martins Nunes · Portugal · Alemanha

2021 · FIC · 39’

Velhos montes vão caindo vagarosamente sobre a terra. A mesma terra da qual um dia foram erguidos. E sem protesto, voltam a ser só chão, como se não tivessem abrigado gerações de gente lavrando, semeando, ceifando, amassando e comendo o fruto do duro trabalho. Fingindo não ter escutado as estórias, modas, décimas e outras poesias; e testemunhado a seca, o abandono, a fuga para a cidade. Sortes acompanha a vida dos restantes habitantes e seus animais, espalhados pela Serra de Serpa no Baixo Alentejo. Ao ritmo do trabalho do campo e pela voz dos poetas populares, torna-se retrato dos que ficaram e réquiem aos que foram.

14 de Dezembro, 19h: “Turno do Dia”

Realizador: Pedro Florêncio

Documentário

POR, 2018, 127 ‘ M/12

Pedro Florêncio assina um documentário observacional que pousa a câmara no centro de atendimento de Lisboa do INEM, acompanhando, tal como o título o diz, o “turno do dia” das respostas às chamadas de emergência médica para o 112, rodando entre os vários operadores de serviço ao longo de um dia “normal” de trabalho. Isto traduz-se numa série de planos únicos, geralmente fixos, concentrados no operador e na sua interacção com quem está do outro lado da linha, num crescendo de “micro-dramas” que se resolvem em cinco ou dez minutos e têm o efeito de colocar o espectador na exacta posição dos enfermeiros: tão impotentes como eles para ajudar quem está do outro lado da linha, limitados a um diagnóstico à distância, algumas instruções médicas e um envio de assistência, suspensos do que está a ser dito do outro lado da linha por alguém que está evidentemente transtornado. PÚBLICO

Teremos a presença do realizador e de dois enfermeiros que trabalham no INEM

 

Em Turno do Dia (2018) somos jogados, sem grande preparação, para uma intensa e exigente jornada de desespero e sofrimento numa central de emergências 112, local remoto, “retirado do mundo”, onde se concentram os piores dramas ao minuto – e o tempo é tudo aqui. Pedro Florêncio filma, em continuidade, a rotina dos operadores, acudindo quem está do lado de lá, chamada após chamada. O objecto principal aqui, como num episódio de L’amore (O Amor, 1948) de Roberto Rossellini, é o telefone. Florêncio, como Rossellini, só nos dá acesso à resposta. Mas as semelhanças ficam-se por aqui, porque isto não é ficção.

Em termos simples, digo: Turno do Dia é um documentário que deve ser visto por todos os cidadãos portugueses. É obrigatório porque saímos desta jornada elucidados sobre o protocolo de emergência (o propósito de cada pedido de informação e a maneira mais adequada como devemos reagir ao que nos é solicitado pelo operador). Por outro lado, Florêncio não se limita a produzir um filme pedagógico sobre o 112 tal como não é neutro na forma como documenta o trabalho destes homens e mulheres. Saímos de Turno do Dia mais bem informados, mas também inquietados com o que vemos. Seja por causa do efeito erosivo da rotina, a exigência da profissão, as condições não ideais de trabalho ou a sobrecarga esgotante do mesmo, não será indiferente ao espectador-cidadão o modo ligeiro como alguns operadores encaram a sua missão. Há uma cena em que um deles, que não perderá a oportunidade mais à frente de lançar comentários depreciativos a propósito de quem acabara de pedir socorro, vai dando pequenas trincas numa maçã durante uma chamada, respondendo ora desinteressadamente, ora com duas pedras na mão. Fala aqui o cidadão, mas, sublinhe-se, Turno do Dia também tem “sumo cinematográfico”. A câmara de Florêncio alterna planos estáticos, quase wisemanianos, com súbitas panorâmicas, produzindo, por vezes no mesmo plano, a sensação de um corte em continuidade, como se a câmara fosse aqui um agente activo, desperto, ainda que eivado de um assinalável rigor estético. Em suma, seja na pele de cinéfilo ou de cidadão, Turno do Dia é matéria obrigatória.

, in À Pala de Walsh

Com a presença do realizador e de dois enfermeiros que trabalham no INEM

 

24 de Novembro, 19h: “Contos de um Verão Negro – Favolacce”

Realizador: Damiano D’Innocenzo, Fabio D’Innocenzo

Intérpretes: Elio Germano, Giulietta Rebeggiani, Justin Korovkin

SUI/ITA, 2021, 98′ M/14

Vencedor do Ouro de Prata no Festival de Berlim em 2020, este filme dos gémeos italianos D’Innocenzo, que co-escreveram “Dogman”, de Matteo Garrone, centra-se em várias famílias disfuncionais de um subúrbio romano de classe trabalhadora, durante a recta final de um verão com um calor abrasador. Tem uma visão muito pouco romântica e bastante pessimista da juventude. É o segundo filme de Damiano e Fabio D’Innocenzo como realizadores, depois de “La terra dell’abbastanza”, de 2018. PÚBLICO

 

Contos de Um Verão Negro é a obra revoltante desta temporada e um dos melhores filmes italianos dos últimos tempos.

Olhamos para o título em português do novo filme dos manos D’Innocenzo, que ganhou o prémio para melhor argumento no último festival de Berlim, e não conseguimos deixar de pensar em Eric Rohmer – apesar do “negro” do título, o francês continua a ser o mestre intocável dos filmes de verão. No entanto, as referências de “Contos de um Verão Negro” – “Favolacce” no original – não podiam ser mais diferentes: o grotesco de Harmony Korine (a cena em que uma jovem lactante molha um biscoito em leite directamente das mamas podia muito bem pertencer a Gummo), a depressão de Todd Solondz, a sensação de estranheza da conterrânea Alice Rohrwacher ou o hipnotismo surreal da nova vaga grega.

Contos de um Verão Negro” é uma pequena compilação da vida de algumas famílias num subúrbio de Roma que, como David Lynch já nos ensinou, é onde se descobrem as maiores bizarrias. Por trás das máscaras das idas comuns e ordinárias escondem-se disfuncionalidades e muita perversidade o que, pela lente dos irmãos D’Innocenzo, significa violência doméstica psicológica, muitas mulheres em situação de passividade e, claro, crianças que acabam por levar por tabela.

Esta é uma versão do “Feios, Porcos e Maus” dos subúrbios – e isso não é propriamente bonito de se ver. As personagens não têm qualquer redenção possível à sua espera e, por isso, a desesperança é a única coisa comum a todas elas. Porém, como é sabido, o Verão pertence às crianças e este, mesmo negro, pertence-lhes. Por isso serão elas a ter a última palavra a dizer nesta fábula desencantada, em que a violência, o abuso, o suicídio e o sexo são a linguagem falada nas entrelinhas.

 

23 de Novembro, 19h: “Era Uma Vez a Máfia”

Realizador: Franco Maresco

Documentário

ITA, 2019, 105′ M/14

Em 2017, um quarto de século depois do assassinato de Giovanni Falcone e Paolo Borsellino – os magistrados que entraram em guerra direta contra a máfia -, o documentarista Franco Maresco (“Io e… Franco”, “Belluscone. Una storia siciliana”) decide rodar este filme onde “revisita, de forma sarcástica e grotesca, a memória histórica italiana e interroga-se sobre os ideais que ficaram até aos dias de hoje, especialmente na Sicília.” A seu lado, ele tem a fotógrafa Letizia Battaglia, que fotografou os crimes da Máfia, e é considerada pelo “The New York Times” uma das onze mulheres que deixaram sua marca no nosso tempo. No Festival de Cinema de Veneza, “Era Uma vez a Máfia” conquistou o Grande Prémio do Júri. PÚBLICO

 

 
 

“Era uma vez a máfia” é um filme que te desafia. É um documentário e é uma peça de humor. Fala sobre um tema traumático para o público italiano, mas o faz de forma jocosa. Isso tanto no texto quanto na linguagem. Para muitos, acostumados com o tom frio e técnico dos documentários jornalísticos é difícil entender que a forma de filmar uma peça documental encontra muitos meios, mas para aqueles que se entregarem à exibição, terão um entretenimento de primeira.

Não é fácil representar  a máfia no cinema . Especialmente se por máfia não entendemos aquela estrutura criminosa organizada por clãs ou organizações familiares comandadas por um padrinho e agindo nas sombras para tramar o tráfico de drogas, furtos, roubos, homicídios e tudo o mais que o cinema nos ensinou a reconhecer como tal.

A história começa no 25º aniversário dos massacres de Capaci e via D’Amelio, em 2017. O diretor, Franco Maresco primeiro pergunta aos “homens comuns” o que eles pensam de Falcone e Borsellino, recebendo um bem dito “nada” como resposta.

Acompanhamos então Letizia Battaglia , a fotógrafa já com mais de oitenta anos que com os seus disparos conta as guerras da máfia, uma vez escolhida pelo New York Times como uma das “onze mulheres que marcaram o nosso tempo” e que reclama nunca ter sido escalada em um projeto no qual interpretaria uma “puta velha”, seu sonho oculto.

A ideia do filme é clara, retratar uma terra povoada por muitos que, ainda hoje, negam a evidências. E que, além disso, se recusam a reconhecer Falcone e Borsellino como heróis nacionais. Os que conhecem a história se pegarão muitas vezes rindo, um riso nervoso quase sempre, como deve esperar quem viu “Belluscone”(2014) e como é comum das obras de Maresco. Trata-se de uma comédia grotesca que visa encontrar uma explicação para o interior que o próprio realizador reconhece que já se tornou “um espectáculo sem fim e sem sentido, onde a distinção entre o bem e o mal, entre a máfia e a antimáfia, foi completamente eliminada”.

Para o leitor perdido, pense em “Borat”, só que melhor. Aqui temos as mesmas dúvidas sobre se esta ou aquela cena são reais ou encenadas (ou estamos mesmo vendo uma ameaça de assassinato em áudio perfeito?) O filme te testa aos limites da moralidade e do senso ético e entrega algo que é realmente um reflexo dos nossos dias. Sempre brilhante e cínico, Franco Maresco é um diretor excelente que o espectador brasileiro deveria dar mais atenção.

Por Rafael Assis em 22 de junho de 2021